Maria Clara Lucchetti Bingemer
Todo o mistério cristão é um mistério de comunicação. Se a definição do Deus cristão é amor (cf. 1 Jo: Deus é amor), poderíamos dizer, sinonímicamente: Deus é comunicação. E se a teologia é a ciência que estuda o mistério de Deus, ela se debruça, sem dúvida, sobre esse mistério santo, que é mistério de salvação que salva comunicando-se, revelando-se, dizendo seu nome e mostrando seu rosto. Todo o mistério de nossa fé é um mistério de amor, portanto de comunicação.
O Cristianismo é uma religião revelada. É a religião da revelação de Deus aos homens. Para definir o Cristianismo, não encontramos expressão melhor do que dizer que é a religião da revelação de um Deus aos homens e mulheres. A revelação deste Deus, que foi recebida pelos homens e mulheres do povo de Israel e depois por muitos outros e outras e continua a ser recebida por nós hoje, está guardada por escrito num livro. O Cristianismo é, pois, uma religião da revelação e do livro.
Para o povo de Israel, a modalidade mais densa da Aliança de Deus com o povo se dá na fala de Deus ao povo por intermédio dos homens de Deus (1 Sam 2,27; Lc 16,29; 24,27; Is 6,8; Jer 1,9). Esta é uma experiência que penetra a totalidade do ser humano, que se autocompreende então enquanto "ouvinte" submetido à Palavra divina, ao mesmo tempo em que "boca" terrena de Javé‚.
A história do povo bíblico com seu Deus vai ser, portanto, marcada por essa Palavra de Deus, essa Palavra que é o próprio Deus. Os vários gêneros literários que formam o tecido polifônico do texto bíblico vão dar testemunho dos diversos ângulos pelos quais o Deus bíblico se autocompreende e se revela como Palavra.
A história da salvação narrada na Bíblia pelo povo de Israel tem para nós, cristãos, um centro: o evento Jesus Cristo. Nele, a história gira sobre seus gonzos e recobre todo o arco do tempo. A fé cristã proclama que Jesus Cristo é a promessa de Deus anunciada pela aliança com o povo de Israel e realizada na plenitude dos tempos. Proclama igualmente que essa aliança já aconteceu plenamente e nunca será revogada, mas que se consumará na plenitude derradeira da história, quando Deus será tudo em todos. Jesus Cristo é o evento catacrônico que transfigurará o tempo histórico e o fará inteligível à luz do horizonte da Revelação de Deus. Deus que se comunicou na história a um povo continua se comunicando agora a toda a humanidade em um homem que é divino e humano: Jesus de Nazaré. Jesus é o comunicador do Pai.
Após a morte e ressurreição de Jesus, Deus não nos deixou órfãos, mas nos deu o Espírito Santo que em nós é a garantia de que não estamos órfãos e continuamos a poder comunicar-nos plenamente com Deus, com Jesus Ressuscitado e uns com os outros. A comunicação não só não se rompeu como se tornou mais plena. O Espírito é para nós o intérprete da comunicação de Jesus e do Pai.
Em nossa origem mais remota está portanto, um mistério de comunicação e comunhão. O mistério do Pai, do Filho e do Espírito Santo: um só Deus em tres pessoas distintas. Nós, cristãos, cremos que nosso Deus não é alguém solitário, egoísta, fechado em um mundo de auto-suficiente glória e satisfação. Trata-se, ao contrário, de um Deus que é comunhão de vida, participação de felicidade, família de amor, movimento de liberdade. Nosso Deus é comunhão-unidade de três pessoas distintas que se amam tanto e tão bem que são um só Deus.
A distinção das pessoas divinas não as leva a se dividirem e se isolarem umas das outras, mas, ao contrário, é exatamente nessa distinção que se encontra a riqueza de sua unidade. Por outro lado, a comunhão das três pessoas não as leva a se confundirem e se misturarem, mas, ao contrário, é precisamente nessa comunhão que se encontra a beleza de sua diversidade. Em suma, em Deus-Trindade, temos união que não é uniformidade, temos diversidade que não é divisão. É comunhão, mas não confusão. É distinção, mas não anarquia.
Somos filhos da comunhão e não da solidão. Feitos para a comunicação com Deus e com os outros. Só nos realizamos na comunicação do que somos e temos, porque Deus nos amou primeiro e se comunicou inteiramente a nós e toda a nossa vida só encontra sentido se é capaz de sair de si mesma e comunicar o amor d´Aquele que nos cria, salva e santifica: Pai, Filho e Espírito Santo.
MCS - GO SDS - 06/2011
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